Após duas semanas abordando sobre educação financeira, hoje volto a atenção desta coluna para o mercado. A temporada de resultados corporativos atinge o ponto alto: empresas que juntas representam cerca de 38% do valor de mercado do S&P 500 divulgarão seus balanços, incluindo pesos-pesados como Apple, Microsoft, Meta, Chevron e Exxon.
No Brasil, o noticiário corporativo também ganha força com os números de Vale, Bradesco e Santander, mas a pauta que realmente domina o humor por aqui é a incerteza tarifária, que segue azedando o apetite ao risco.
E esse desconforto vem no momento em que teremos decisões de política monetária no Brasil, nos EUA, além de outros países. A expectativa consensual é de manutenção das taxas brasileira e norte-americana, mas o foco estará nos sinais do presidente do Fed, Jerome Powell, especialmente sobre a possibilidade de cortes futuros — em meio à crescente pressão política vinda de Donald Trump, que ameaça consolidar tarifas já na sexta-feira (1).
Aliás, na esfera comercial, o último fim de semana trouxe algum alívio: EUA e União Europeia (UE) anunciaram um acordo. O pacto prevê uma tarifa de 15% sobre a maioria dos produtos europeus, em troca de promessas bilionárias de compras e investimentos em energia, defesa e infraestrutura nos EUA.
Embora aquém do que desejava a UE, o acordo foi lido como um “mal menor” diante da ameaça anterior de tarifas de até 30%.
Enquanto isso, o Brasil assiste a tudo da arquibancada, sem qualquer avanço nas negociações com Washington. O impasse em torno da tarifa de 50% anunciada por Trump permanece travado — e o silêncio a poucos dias da entrada em vigor da medida é, no mínimo, constrangedor. Ao passo que as grandes potências costuram acordos bilionários, seguimos à margem das decisões que estão moldando o “novo comércio global”.
Qualquer avanço concreto nas negociações depende diretamente do aval pessoal de Trump. Até agora, porém, a Casa Branca sequer ensaiou algum gesto de cortesia diplomática: a indiferença é explícita. O foco segue voltado para acordos com parceiros considerados estrategicamente mais relevantes — o que, convenhamos, diz muito sobre a atual posição do Brasil no tabuleiro internacional.
Para agravar, o discurso do presidente Lula segue inflamado, alimentando o atrito.
Há rumores, no entanto, de que o governo Trump pode recorrer a uma nova declaração de emergência, para enquadrar juridicamente o tarifaço sob um pretexto comercial — e não meramente político. Seria uma maneira de dar cobertura legal à medida, abrindo espaço para algum tipo de reacomodação negociada.
Por ora, a escalada continua: Washington prepara uma nova rodada de sanções, desta vez mirando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com base na Lei Magnitsky — um mecanismo tradicionalmente reservado a regimes autoritários e violações graves de direitos humanos.
Apesar do isolamento, o Brasil ainda detém trunfos relevantes. Concentramos a maior reserva mundial de nióbio, a segunda maior de grafite e de terras raras, além da terceira maior de níquel — insumos críticos na transição energética e na indústria de defesa. Posicionados com inteligência, esses ativos poderiam funcionar como moeda de troca em uma eventual reabertura das negociações com os EUA.
Se o confronto se aprofundar, o roteiro é conhecido: o dólar sobe, a inflação ganha fôlego e a popularidade do governo Lula deveria voltar a escorregar — é difícil terceirizar a responsabilidade por esse fracasso, especialmente quando o estopim foi uma escolha deliberada: a encenação antiamericana de Lula no Brics+ no Rio.
Uma nova rodada de pressão inflacionária impõe obstáculos adicionais aos cortes da Selic. Diante disso, o Copom deve manter nesta semana sua postura, sem abrir espaço para aventuras em cortes prematuros.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o mercado já dá como certo que a taxa de juros será mantida por lá — o que está em jogo, é o tom do comunicado e cada palavra da coletiva de Jerome Powell. O presidente do Fed enfrenta pressão de Donald Trump para iniciar o ciclo de cortes já em setembro.
Vale lembrar que, independentemente das nuances momentâneas, o que está se consolidando é um novo patamar tarifário mais alto. Ou seja, mesmo com o alívio recente, os Estados Unidos estão aplicando tarifas bem mais elevadas do que no passado. Só não tão drásticas quanto as inicialmente sugeridas em abril — quando a política comercial norte-americana ensaiou um mergulho em uma espiral protecionista de manual.
O ambiente internacional ensaia alguma tranquilidade, mas segue por um fio: uma vírgula fora do lugar ou um dado ligeiramente acima do esperado (impedindo corte de juros) basta para que a volatilidade reassuma o controle — um lembrete de que, em semanas como esta, o risco apenas cochila, nunca dorme.
Seja como for, continuamos presos a um cenário nebuloso, com uma janela de oportunidade que se estreita aos poucos e um trajeto até 2026 que promete ser longo, estreito e sem atalhos.
Por Paulo Nascimento Filho, empresário, assessor de investimentos pela Ancord, influenciador e criador de conteúdo sobre finanças e educação financeira.
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