Chegamos ao final dos primeiros 100 dias do terceiro mandato do presidente Lula.
Bem diferente do que poderia ter sido, o período foi consideravelmente conturbado, não só por fatores domésticos, mas também por questões internacionais vide quebra de bancos nos EUA e Europa.
Em retrospectiva, o contexto pós-eleitoral permitiu a formação de expectativas no sentido de um caminho semelhante ao que foi o primeiro mandato do presidente, o Lula 1, com respeito às políticas ortodoxas estabelecidas durante o governo de FHC associado às políticas sociais típicas da matriz do PT.
A realidade, porém, se impôs severamente. Os primeiros meses foram, na verdade, de muita frustração interna, falta de consolidação política e impasse em torno da política fiscal. Isso sem falar nas rusgas entre o Poder Executivo e o Banco Central.
Você que me acompanha aqui já sabe que como se não bastasse a política monetária contracionista, incorremos em um déficit público da ordem de 2% do PIB, o qual não parece ser passível de solução a menos que haja uma revolução nas receitas (se você pensou em mais impostos ou mais inflação, pensou corretamente).
Para piorar, os canais de crédito estão entupidos por conta, sobretudo, do evento Americanas. É difícil crescer desse jeito, o que explica a ansiedade do governo.
Em meio à confusão, gostaria de estabelecer uma diferença entre os avanços nas pautas internacional, social e econômica.
Sobre a primeira, vale lembrar que Lula desfruta de amplo respeito da comunidade internacional, tendo a simpatia de boa parte do capitalismo progressista do Ocidente. Dessa forma, o presidente tem buscado reposicionar o país nos grandes fóruns globais, o que fomentou uma agenda internacional intensificada — não fosse problemas de saúde, já teria visitado a China (foi apenas ontem), além dos EUA, Uruguai e Argentina, devendo visitar em breve os Emirados Árabes Unidos, Portugal, Espanha e Japão.
A ideia seria a de reabrir os eixos multilaterais nos quais o Brasil pode exercer liderança, como a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) — sim, o distanciamento da OCDE no eixo das prioridades preocupa.
Por enquanto, ainda não vi o movimento se converter em fluxo de entrada de recursos para o país. Neste contexto, aqui a frente me parece mais ficar na retórica do que nas vias de fato. Muito blá-blá-blá e pouca efetividade. Essa é a realidade.
Já sobre a pauta social, serei breve. Nesses três meses e meio de governo, Lula adotou novas políticas públicas e relançou programas sociais, alguns de forma aprimorada, como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, por exemplo. A brevidade sobre o tema é para focar na economia.
Entrando no que nos cabe como investidores: as perspectivas econômicas. Aqui, apesar dos esforços da equipe da Fazenda, o governo ficou devendo bastante. Adoraria gastar mais, mas não há dinheiro. Gostaria de mais investimento público, mas o orçamento é engessado.
Já que citei a equipe, vale a menção ao trabalho realizado pelo Ministro Haddad, que tem surpreendido positivamente, não só pelo esforço nos pacotes fiscais e na apresentação do arcabouço, mas também pela tentativa de alinhamento à ortodoxia fiscal, tentando criar pontes entre o governo, o mercado e o Banco Central.
Mas são raras as vezes que um exército de um homem só funciona. Os 100 primeiros dias foram marcados por atritos desnecessários entre Poder Executivo e Banco Central. A discussão de natureza equivocada clama por redução dos juros para que haja mais crescimento, mas a conta, infelizmente, não fecha.
Com isso, as brigas entre a ala política, comandada por Rui Costa, e a ala econômica, comandada por Haddad, apenas se intensificam. Os dois ministros ocupam as pastas mais importantes da administração federal e seriam presidenciáveis para 2026, o que estressa ainda mais a situação. O resultado é ruído desnecessário sobre o mercado.
Os embates mostram que o governo parece um pouco perdido nos esforços do que chamam de "arrumar a casa". Há também problemas de comunicação e bate cabeça interno, como aconteceu no caso dos ministros Carlos Lupi e Márcio França que ganharam puxão de orelha do Presidente.
Isso tudo gera desgaste desnecessário em um governo que já enfrenta graves problemas de coerência interna e articulação política, uma vez que o controle do Congresso é frágil, prejudicando a governabilidade. O governo não tem uma base própria e depende do presidente da Casa, Arthur Lira.
A tramitação do arcabouço fiscal e a posterior discussão da Reforma Tributária serão a prova de fogo da capacidade da administração de tocar os trabalhos, fazendo dos próximos meses uma janela vital para que consigamos compreender para onde caminhamos até 2026, quando voltaremos às urnas.
Os dois projetos, tanto do arcabouço como da Reforma Tributária, encontram resistência, mas são fundamentais para o país. Se por um lado o governo vem errando com a política de privatização (diminuição da lista de candidatas) e regulação (revisão do Marco do Saneamento), pode tentar acertar minimamente no fiscal.
Não dá para esperar muito de um governo de esquerda no âmbito fiscal, mas o mínimo aceitável para impedir com que país exploda nos próximos anos é o que eu gostaria. Por isso, será vital acompanhar os detalhes do texto que será enviado ao Congresso Nacional.
Enquanto isso, a Bolsa segue barata em termos de múltiplo, negociando abaixo da média histórica de preço sobre lucro projetado para os próximos 12 meses. Dificilmente ela ficará cara, mas ao menos converter para média pode ser possível.
Para isso, as expectativas precisam estar devidamente ancoradas, o que permitiria queda dos juros, impedindo uma desaceleração severa ou até mesmo uma recessão (questões de crédito me preocupam). Assim, uma combinação com caixa (CDI), proteção (dólar e ouro) e ações me parece fazer sentido. Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
Os 100 primeiros dias de governo não foram uma nota zero, mas estão bem distantes de um 10, de maneira muito semelhante à proposta geral do novo arcabouço fiscal.
Venho conversando com clientes e amigos que, do jeito que as coisas estão, seguimos no caminho entre a mediocridade e o desastre. Flertamos algumas vezes com o desastre em 2023, mas a média ainda é possível.
Por Paulo Nascimento Filho, empresário, assessor de investimentos pela Ancord, influenciador e criador de conteúdo sobre finanças e educação financeira.
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