Os mercados financeiros globais estão lidando com uma tempestade perfeita. A liquidação da Silvergate Capital, focada em criptomoedas, e o colapso do Silicon Valley Bank (SVB) levantaram questões sobre os riscos de instabilidade financeira para a economia norte-americana, bem como o risco de contágio para outros bancos nos EUA.
O problema decorre do aumento das taxas de juros. Os bancos estão sobrecarregados com títulos mais antigos e de menor rendimento que perderam valor. Ninguém quer uma carteira de títulos com rendimento de 1,5% quando o mercado atual está vendendo títulos do Tesouro Americano com rendimento acima de 5%.
O SVB pegou os depósitos de seus clientes e os usou para comprar esses títulos de baixo rendimento. Na semana passada, foi forçado a vender os títulos com prejuízo, provocando a queda das ações. A partir daí, o pânico cresceu, culminando na falência do banco.
O medo de contágio e uma corrida aos bancos à moda antiga fizeram com que as ações de outros bancos similares também caíssem. No fim do dia, o mercado teme um episódio parecido com o de 2008, com desdobramento subsequente pelo mundo.
Deixo claro desde já que, em minha visão, os eventos não devem ter implicações mais amplas e significativas para a economia, não compondo, portanto, um sinal de risco sistêmico para o setor bancário. Não estamos em 2007 ou 2008. Não há bolha de crédito alimentando a economia, pelo contrário. O fraco poder de negociação salarial tornou os consumidores, especialmente os de baixa renda, mais dependentes do crédito. Em outras palavras, a situação de juros mais elevados já é sentida pela população.
Ainda assim, o Tesouro, o Federal Reserve e o Federal Deposit Insurance Corp, ou FDIC (fundo garantidor de lá), intervieram em conjunto na noite de domingo para proteger os clientes do SVB e apoiar outras instituições, conforme necessário.
Todos os clientes do SVB terão acesso ao dinheiro de seus depósitos, sendo que o Fed ainda disponibilizará financiamento adicional, garantindo que os EUA estariam preparados para lidar com qualquer pressão de liquidez que surgir.
O nervosismo permanece sim, mas os movimentos deveriam servir ao menos para acalmar os temores que, de outra forma, poderiam ter desencadeado novas corridas aos bancos, como aconteceu no caso da SVB.
Acredito sim que a economia dos EUA passará por alguma recessão ainda este ano. Não vejo, porém, um desfecho catastrófico. Mais cedo ou mais tarde, diante do aperto monetário sem precedentes do Fed, algo aconteceria. Dito e feito. Resta saber se será o único.
Ao mesmo tempo, por mais distante que possa parecer, o contexto guarda relação com o que está acontecendo em nosso país. Tanto o Federal Reserve dos EUA como o Banco Central do Brasil conduzirão suas respectivas reuniões de política monetária na próxima semana.
Muitas instituições do mercado financeiro agora comentam sobre o fim do aperto monetário dos EUA no horizonte. Há quem diga, inclusive, que há espaço para um corte já em março.
Não acredito nesta tese, mesmo que o cenário esteja entre os possíveis. Vejo a chance predominante de um último pequeno ajuste, sinalizando uma pausa, ao menos por enquanto, do processo de aperto monetário por lá. Claro que isso pode mudar nos próximos dias, a depender da digestão dos dados de inflação e de novidades envolvendo o setor bancário americano.
O ponto é que esse evento dialoga com o que estamos vivendo no Brasil. Diferentemente dos EUA, já encerramos o processo de aperto monetário, restando agora saber quando começaremos a sonhada redução dos juros.
Ter que lidar com tantas crises em tantos lugares ao mesmo tempo é um verdadeiro desafio para o nosso Banco Central. São três as frentes de atuação:
i) a inflação corrente;
ii) a possibilidade de uma crise de crédito (a ameaça de uma forte desaceleração do mercado de crédito doméstico desencadeada pela crise da Americanas e pelo aperto monetário realizado); e
iii) a problemática fiscal, que prejudica a formação de expectativas e adiciona prêmio na curva de juros.
Hoje, vivemos em uma situação na qual o primeiro ponto impede o BC de subir os juros, enquanto o segundo demanda alguma flexibilização, de modo a evitar quebradeira pelo Brasil. O terceiro e último ponto, mas não menos importante, está em aberto, e tem como grande divisor de águas o novo arcabouço fiscal.
Os meses de janeiro e fevereiro foram marcados por um embate duro entre o Poder Executivo e o Banco Central. Lula e sua base, bem como várias lideranças do país, estão nervosos com os juros elevados, que prejudicam as perspectivas de crescimento.
Nos próximos dias devemos ter a apresentação formal da regra fiscal que, em princípio substituirá o teto de gastos. A questão é que ele é condição necessária para a queda dos juros, porém não suficiente. Assim, poderíamos ter uma flexibilização do discurso na semana que vem, sinalizando queda da Selic para a próxima reunião em maio.
Isso claro, irritará parte dos políticos e empresários brasileiros, mas há pouco a fazer. As expectativas ainda não estão ancoradas, existe muita incerteza no ar, vivemos diariamente com atritos desnecessários contra o Banco Central e a inflação ainda está vindo acima do esperado, como mostraram os dados da última sexta-feira.
O caminho pode ser no sentido da possibilidade de uma crise de crédito (se o arcabouço fiscal for decente, também pode ser usado como argumento). Ao mesmo tempo, a quebra dos bancos americanos pode dar impulso ao nosso Banco Central sinalizar o início do ciclo de corte da Selic.
O motivo? O cenário coloca as condições financeiras globais, que já estavam se contraindo, em situação de ainda mais aperto, gerando menor inflação. O Brasil poderia começar a reduzir sua taxa de juros com maior tranquilidade, uma vez que o balanço de riscos domésticos e internacionais mudou.
Ainda temos uma semana até a reunião. Ultimamente, cada dia parece uma eternidade em termos de informação. Será importante acompanharmos a apresentação do arcabouço fiscal e a digestão da inflação americana. Só assim conseguiremos ter uma clareza maior para onde caminhamos.
Por Paulo Nascimento Filho, empresário, assessor de investimentos pela Ancord, influenciador e criador de conteúdo sobre finanças e educação financeira.
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