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A histeria do “peso-real” e por que a moeda comum não deve sair do papel


  • Olhar Econômico
  • 25 de Janeiro de 2023 | 07h25
 Foto: Reprodução/Internet
Foto: Reprodução/Internet

Atores do mercado financeiro, veículos de notícias e as redes sociais passaram por um momento de histeria coletiva com a notícia cheia de equívocos de um grande jornal estrangeiro sobre a criação de uma moeda entre Brasil e Argentina.

O ruído chamou a atenção de gente importante, uma vez que é um absurdo bem grande. O problema é que a história foi contada e espalhada da maneira errada.

A ideia de uma moeda compartilhada não é nova e já teve entre seus defensores o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, que a chamava “peso-real”.

Agora ventilada pelo governo atual e autoridades argentinas, o projeto se trata, na verdade, não da utilização de uma moeda única latino-americana, nos moldes do euro, mas, sim, de uma moeda virtual para ser usada bilateralmente em transações financeiras e comerciais dos países.

"Ah, mas começa assim mesmo e depois avança". Não, não começa não.

Em primeiro lugar o que foi colocado é o início de um estudo colaborativo de viabilidade econômica, não um preparo propriamente dito, como foi ventilado no fim de semana.

O pano de fundo seria o experimento de 2008, após a crise do subprime, em que os países adotaram trocas nas moedas de origem, por conta da volatilidade internacional.

De maneira similar, o objetivo do estudo, somente iniciado, é o de identificar alguma chance de mitigar os efeitos da volatilidade e desvalorização do peso argentino, diante da inflação galopante do país.

Como se trata de um parceiro comercial relevante do Brasil, a situação monetária do vizinho atrapalha os controles comerciais. Não há, portanto, uma essência de união monetária, apesar do alinhamento entre os governos.

Em segundo lugar, mesmo uma união monetária como a da zona do euro precisou de mais de três décadas para sair do papel. Imaginem o tempo necessário para realizar o mesmo experimento na América Latina, com tantos problemas nos dois países e perante uma exacerbada volatilidade e polarização política.

São necessárias inúmeras etapas de harmonização de políticas fiscal e cambial entre os países, movimento do qual não estamos nem próximos com a união alfandegária do Mercosul. Sem falar nas instituições supranacionais e em algum conjunto de leis em comum.

Por isso, quando muito, tratamos aqui não de uma moeda nacional, mas um veículo que minimize as dificuldades de aceitação do peso no mercado internacional, como uma espécie de clearing (serviço de compensação e liquidação de ordens de compra e venda eletrônicas) para mercado Brasil-Argentina, dado que a restrição de dólar pode prejudicar o comércio com Argentina ou outros países.

O que nos traz ao terceiro ponto, que é a falta de viabilidade política. Não apenas o assunto parece não ter unanimidade dentro do próprio governo, como também haveria uma oposição muito forte em Brasília, em especial a partir de fevereiro, com o novo Congresso com legendas mais à direita do que o atual proporcionando certa oposição.

Em outras palavras, a iniciativa deve morrer na praia quando olhamos para o futuro. Não é uma prioridade para os brasileiros e, consequentemente, não haveria razão para o governo gastar munição com a temática, considerando outros temas econômicos mais relevantes, como o novo arcabouço fiscal de Rogério Ceron, secretário do Tesouro, e a reforma tributária de Bernard Appy, secretário especial de reforma tributária.

A retórica parece que só se tornou mais evidente por conta da viagem do presidente Lula aos nossos vizinhos nesta semana, começando com a própria Argentina, que está visivelmente usando a bandeira para fins eleitorais, uma vez que haverá eleição presidencial por lá neste ano.

Por outro lado, considerando que se trata da primeira viagem internacional de Lula e que o atual presidente vê no chefe de estado argentino um amigo, ficaria muito difícil simplesmente desmentir a situação toda do dia para a noite.

Adicionalmente aos pontos já expostos, a proposta acaba tocando em problemas econômicos. Ocorre que, ao entrar em uma união monetária, os países membros devem ter uma combinação de flexibilidade e simetrias de forma que atendam aos critérios propostos pelo modelo de economia aberta chamado de Mundell Fleming, o que não é o caso:

A diferença da taxa de juros entre os dois países é enorme, impossibilitando uma política monetária que acomode as duas condições. Diferença essa derivada da inflação argentina. Seria uma canalhice com os brasileiros, financiarmos a redução de prêmio de risco da dívida da Argentina, diante de tantos problemas em solo nacional.

Dessa forma, tirando o mal-estar para os agentes de mercado e para o próprio governo brasileiro criado pela entrevista para o Financial Times do ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, acredito não termos muito com que nos preocupar.

Por Paulo Nascimento Filho, empresário, assessor de investimentos, influenciador e criador de conteúdo sobre finanças e educação financeira.

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