Já tinha até virado praxe. Os Estados Unidos permaneceram com a taxa básica de juros quase zerada (entre 0,00% e 0,25% ao ano). Isso durou entre 2008 e 2015. Um país poder rolar sua dívida interna praticamente sem nenhum custo, é uma dádiva. O caso do Japão é ainda mais emblemático neste sentido.
Vale acrescentar que, durante esses oito anos, a inflação americana média foi na média de 1,5%. Ou seja, os Estados Unidos cobravam para vender papéis do tesouro.
Recentemente, a taxa começou a subir. Foi até 2,44% em 2019. Como, nesse ano, a inflação americana bateu 2,3%, já havia retorno real positivo. Pouca coisa, mas havia.
Tudo indicava que o Federal Reserve (FED) conseguiria inibir uma nova exuberância irracional nas bolsas e trazer a economia para uma aterrissagem suave. O crash de 1929 e a Grande Depressão dos Anos Trinta nunca saem da mente.
Eis que, por volta de dezembro de 2019, surge na cidade de Wuhan na China, um vírus que iria mudar a trajetória da humanidade e dos mercados.
A partir daí, ao redor do planeta, foi um tal dos bancos centrais e governos baixarem taxas de juros e distribuírem recursos a fundo perdido para a população confinada em suas casas.
Mais do que depressa, o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC em inglês – similar ao nosso COPOM) retornou à taxa zero.
Dinheiro a rodo, carência de produtos (por causa das fábricas fechadas), falta de mão de obra... Só poderia resultar em alta de preços de mercadorias e serviços, que foi justamente o que aconteceu.
Repetimos os anos 1970 quando, após a guerra árabe-israelense, tivemos o primeiro choque do petróleo. O segundo veio em 1980, com a revolução iraniana. O terceiro parece que chegou agora, com a guerra da Ucrânia.
Se alguém, há três anos, predissesse que a inflação americana chegaria a 8,5% ao ano, tal como foi divulgado há poucos dias, essa pessoa não seria levada em consideração. Só que o mesmo (inflação muito acima do razoável) aconteceria na Alemanha, 7,4%, no Reino Unido, 4,9%, na França, 4,5%.
Acontece que, em todos esses países, as taxas de juros não só estão no início do processo de alta, como esse processo poderá demorar, já que a praxe é tratar a inflação com doses homeopáticas. Caso contrário, surge o que os americanos chamam de hard landing (aterrissagem forçada), geralmente acompanhada de quebradeira.
No Brasil, após mais de meio ano com a taxa Selic em 2%, o COPOM partiu na frente dos outros bancos centrais e não estaria muito longe do fim do ciclo. Por enquanto, para os investidores, a mais pedida é a compra de papéis de renda fixa.
Acredito que a renda variável, com exceção de alguns papéis específicos, ainda deve permanecer em baixa por algum tempo. Mas logo surgirão algumas oportunidades excepcionais.
Quem tiver a competência, ou a sorte, de detectar o pico da inflação e das taxas de juros, e comprar papéis com renda prefixada, poderá ganhar uma nota preta. Principalmente se tiver condições de alavancagem. Se, ao mesmo tempo, o mercado de ações estiver fazendo um fundo, poderá matar dois coelhos de uma vez. Logo os dividendos de ações que caíram muito superarão as taxas dos títulos de renda fixa. O importante é não se afobar.
É preciso que os fundamentos fiquem mais transparentes. Por fundamentos, estou me referindo à guerra na Ucrânia, à crise de abastecimento de petróleo e gás russo, à seca indiana, às eleições presidenciais brasileiras e ao novo surto de covid na China, não necessariamente nessa ordem de importância.
Nos anos em que trabalho com o mercado financeiro, já ouvi diversas histórias sobre ocasiões tão ou mais complicadas como a atual. Só para lembrar algumas:
Aqui em terras tupiniquins, o golpe militar de 1964, a hiperinflação dos anos 1980 e primeira metade dos 1990, o confisco do Collor, o ataque especulativo contra o real (final dos anos 1990) e outras similares.
Lá fora, a guerra do Vietnã, a crise de Watergate, os acima citados choques do petróleo, os ataques de 11 de setembro de 2001 etc.
Em todas elas, tanto no Brasil como no exterior, surgiram grandes oportunidades de ganhar dinheiro, assim como não menores riscos de se perder. Também existem diversas histórias de quem ganhou muito e quem foi à lona.
Menos sede ao pote. Pensar mais e acima de tudo, distribuir a carteira de investimentos de acordo com seu perfil de risco. Fica a dica.
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