Muitas nuvens cobrem o céu. Internacionalmente, temos o novo surto de Covid na China, que provoca novos lockdowns em diversas regiões importantes do país, como abordado na coluna da última semana. Temos também a guerra na Ucrânia, a qual implicou na exclusão da Rússia, um importante player de commodities, do mercado global, e a má precificação do aperto monetário nos países desenvolvidos, em especial nos EUA.
No fim do dia, porém, todos os caminhos nos levam em direção ao tema da inflação.
As restrições chinesas comprometem as cadeias de suprimentos e as perspectivas de demanda para o ano de 2022, o que implica em alterações nas expectativas.
O conflito entre russos e ucranianos compromete o mercado de energia (petróleo e gás), bem como o de alimentos (fertilizantes e commodities agrícolas), pressionando os índices. Por fim, o próprio aperto monetário é uma resposta à desancoragem da inflação.
Costuma-se dizer que os mercados financeiros globais respondem principalmente a três preços:
i) o petróleo;
ii) o juro de 10 anos nos EUA; e
iii) o dólar.
Curiosamente, todos eles se relacionam em algum grau com os patamares de inflação atuais. A falta de capacidade do mercado em precificar bem o processo inflacionário nos trouxe aqui.
Agora, uma semana antes de mais uma Super Quarta (4 de maio), quando teremos reunião de política monetária nos EUA e no Brasil, os investidores se esforçam para mensurar o ritmo de contração monetária por parte do Federal Reserve. Entre os agentes de mercados, vários já esperam que o Fed suba a taxa dos fundos federais até que atinja 3,50% ainda no segundo trimestre de 2023.
Outros, mais pessimistas, preveem elevações maiores ainda em 2022. Acontece que a perspectiva de aumentos mais fortes e rápidos nas taxas de juros vem se firmando desde que o Federal Reserve estabeleceu seu plano para conter a inflação há um mês.
De qualquer forma, a taxa de fundos federais por lá deve ficar entre 2,75% e 3% até o Natal, uma quantidade excepcional de aperto. A mudança na expectativa do mercado veio depois que o presidente do Fed, Jerome Powell, disse em um debate do FMI na última semana que um aumento de 50 pontos-base em março estava sobre a mesa.
Talvez ainda mais pertinente para os mercados, ele disse que havia algum mérito em antecipar o aperto com os atuais riscos ascendentes para a inflação e um mercado de trabalho aquecido nos EUA.
Um Fed implacavelmente agressivo seria considerado impensável apenas dois meses atrás. Tal atitude agora, no entanto, deve ser o suficiente para começar a esfriar o mercado de trabalho, aumentando o risco de recessão em 2023.
Adicionalmente, se os rendimentos reais continuarem subindo durante o ciclo de aumentos de juros, como fazem costumeiramente, o mercado de ações global parece estar entrando em um momento especial de estresse.
Mais do que isso, também devemos pensar sobre a redução do balanço do Fed, que vem se expandindo desde 2008. Há mais de uma década a autoridade monetária americana vem comprando ativos, inflando seu balanço de modo a disponibilizar mais liquidez e estimular a economia.
Agora, depois de tanta artificialidade, precisamos normalizar as condições de liquidez, o que deverá ter um efeito negativo no mercado de ações.
O processo de redução desse balanço, que hoje gira em torno de US$ 9 trilhões, deverá levar alguns anos; ou seja, não será feito do dia para a noite. O Goldman Sachs – um dos maiores grupos financeiros do mundo - espera que o balanço do Fed encolha para um tamanho de equilíbrio de pouco mais de US$ 6 trilhões até meados de 2025.
Sem dúvida este processo terá efeito sobre a moeda americana. Em relação ao real, vimos até agora um grande movimento positivo para a moeda brasileira ao longo de 2022.
Este movimento poderá continuar no médio prazo, mas perderá um pouco de tração no curto prazo, com volatilidade, uma vez que os juros reais subindo nos EUA atraem o capital de volta para território americano.
Neste contexto, o dólar parece ter espaço para se fortalecer globalmente em um horizonte mais curto de tempo, com muita volatilidade nos próximos meses, período no qual delinearemos melhor o processo de aperto monetário (contração de liquidez com elevação dos juros e redução dos balanços dos Bancos Centrais de países desenvolvidos). Notadamente, porém, o Brasil se posiciona em um ponto não tão negativo, considerando nossa escalada recente de juros e projeções de juros real com a expectativa de queda na nossa inflação. A ver.
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