Internacionalmente, dois temas acabam ofuscando os demais: a guerra na Ucrânia e o aperto monetário nos países desenvolvidos, em resposta à inflação. A relação perversa entre os dois, na qual o conflito acaba elevando ainda mais os preços, tem feito com que dominem o noticiário e as rodas de conversas entre os investidores. Assim, temas de grande relevância, como os lockdowns na China, apesar de importantes, são resguardados a um segundo plano.
O temor aqui reside na permanência das restrições chinesas para endereçar a alta de casos de covid-19 em diferentes regiões do país e nos desdobramentos de tal manutenção na que é hoje a segunda maior economia do mundo.
Os esforços para conter o pior surto de coronavírus em dois anos devem se provar um duro golpe na atividade econômica de março em diante, inclusive em Xangai, o centro financeiro e industrial do país. Lembre-se que já vínhamos de uma realidade na qual governo chinês havia estabelecido uma meta de crescimento para 2022 de 5,5%, a menor em três décadas.
Esta semana, porém, tivemos uma surpresa positiva. O PIB do primeiro trimestre subiu 4,8% na comparação anual, superando as expectativas. Parece ótimo, mas é o suficiente para ficarmos despreocupados? Negativo.
A taxa de desemprego em 31 grandes cidades chinesas subiu de 5,4% em fevereiro para 6% em março – a maior já registrada por dados oficiais desde 2018. Em outras palavras, a economia chinesa até teve um bom primeiro trimestre, mas agora está oscilando, muito por conta de as restrições só terem entrado em vigor principalmente em março.
Ou seja, o crescimento foi impulsionado por um desempenho econômico surpreendentemente bom em janeiro e fevereiro, enquanto a queda recente nos gastos do consumidor e o aumento do desemprego sugerem meses difíceis à frente. Por isso, os dados econômicos de abril devem piorar.
Cerca de 400 milhões de pessoas em 45 cidades da China estão sob lockdown total ou parcial como parte da rígida política de "covid zero" do governo chinês. Juntas, as regiões com restrições representam 40% do produto interno bruto anual do país (US$ 7,2 trilhões). Entretanto, nem tudo é o que parece.
Ainda não começamos a sentir os efeitos da nova quebra na cadeia de suprimentos, sendo que nem havíamos nos recuperado totalmente do choque anterior. Para exemplificar, tomemos Xangai como exemplo: uma cidade de 25 milhões de habitantes e um dos principais centros financeiro, de fabricação e exportação da China. Seu porto, que movimentou mais de 20% do tráfego de carga chinês em 2021, está praticamente parado. Alimentos presos em contêineres sem acesso à refrigeração estão apodrecendo, enquanto a carga de entrada agora está presa nos terminais marítimos por uma média de oito dias antes de ser transportada para outro lugar.
Vejo que os mercados globais ainda possam subestimar o impacto real do lockdown, dado que muita atenção segue sendo focada no conflito na Europa e nos aumentos das taxas de juros dos países desenvolvidos, em especial do Federal Reserve dos EUA. Além disso, parece que muita esperança tem sido depositada sobre os estímulos do governo chinês.
O primeiro-ministro Li Keqiang emitiu um terceiro alerta sobre os riscos de crescimento econômico em menos de uma semana, induzindo os investidores a apostarem em estímulos maiores e mais rápidos nos próximos dias. Dito e feito. Atendendo às expectativas, o Banco do Povo da China cortou a taxa de juros de sua linha de crédito de médio prazo.
O impacto é grande e os efeitos na economia global são significativos, em especial para o universo das commodities. Em um relatório recente, a Organização Mundial do Comércio (OMC) alertou que o pior cenário poderia reduzir o PIB global. Ocorre que o mundo ainda é dependente do crescimento chinês, o mesmo que aqueceu o ciclo econômico entre a década de 90 e o início do século 21. Um arrefecimento dessa atividade terá efeitos duradouros em uma economia que já tem que enfrentar o temor de estagflação. O Brasil, que tem como seu principal escape as commodities, fica sob risco.
O cenário para o resto de 2022 é desafiador, assim como será em 2023 e 2024. A janela para o início da década se mostrou muito mais complexa do que esperávamos. Ainda há espaço para ganhos e otimismo, mas a oportunidade se mostra cada vez mais difícil — o ciclo de preços atual é impulsionado em grande parte pela quebra na cadeia de suprimentos.
Para o Ibovespa - principal indicador de desempenho das ações negociadas na bolsa brasileira - o impacto também pode ser significativo, uma vez que temos a presença considerável de commodities no índice. O fluxo de estrangeiros ainda pode nos ajudar, claro, bem como a possibilidade de ganhos com bancos (historicamente, alta dos juros beneficia o setor na média), mas deveremos sentir a volatilidade nos preços das commodities.
Sim, ainda vejo espaço para exposição na Bolsa brasileira. Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas. Que fique claro aqui: não será um passeio no parque. A longo prazo, deveremos ter ganhos, mas o curto promete bastante risco.
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