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Irmãos a obra: análise de balanços


  • Olhar Econômico
  • 30 de Março de 2022 | 07h07
 Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

O COPOM poderá subir a Selic – a taxa básica de juros na economia - para 12,75% ao ano na próxima reunião, fazendo com que os investimentos mais conservadores alcancem o número mágico que todo o investidor gosta: 1% ao mês. Nesse contexto, falar de bolsa pode parecer loucura para alguns. Renomados analistas que acompanho, inclusive chegaram a decretar o fim da renda variável. Afinal, juro em alta é sinônimo de bolsa em queda, certo?

Antes de responder, veja o que aconteceu com o Ibovespa. Quem ignorou o canto dos profetas e manteve exposição ao principal índice de ações da B3 – a bolsa brasileira - acumula um retorno de mais de 13% só neste início de 2022. Ou seja, mais do que a renda fixa deve entregar no acumulado do ano. É claro que a alta da Selic não é motivo de comemoração para os investimentos de maior risco. Aliás, o que não falta é obstáculo no caminho do investidor de ações.

Veja, por exemplo, o setor de incorporadoras. As empresas têm o hábito de divulgar com antecedência as vendas e lançamentos do trimestre, sem espaço para surpresas no balanço. Jonathan e Drew Scott, os famosos Irmãos à Obra da TV, até fariam um conceito aberto nessa demonstração de resultados. Tudo bem amplo, integrado, os números fluindo de uma linha para outra.

Mas o que é fácil em teoria quase sempre fica mais complexo na prática. Uma fiação velha, uma parede com amianto, uma chaminé antiquada, um ebitda negativo. Logo, os gêmeos construtores se dariam conta de que a vida fora do canteiro de obras também pode trazer surpresas.

As prévias das incorporadoras no quarto trimestre mostraram uma planta ideal para os investidores; já os balanços deixaram claro que era preciso uma reforma daquelas em muitas das empresas. Se a prévia é uma fotografia do futuro, o balanço é uma imagem do presente — e a realidade é dura.

Uma das explicações para isso é que as receitas das construtoras que aparecem nos balanços referem-se a empreendimentos lançados e vendidos no passado, enquanto as despesas trazem um retrato mais próximo do presente. Já as prévias dão uma dimensão da capacidade da incorporadora em gerar novas receitas no futuro. Portanto, para ter uma ideia melhor do quadro geral deve-se juntar os dois tipos de indicadores — as prévias e os balanços.

É preciso lembrar ainda que, diferente da maioria das companhias listadas, as construtoras e incorporadoras não vendem apenas um produto ou serviço, mas sim um sonho, como imóveis que ainda estão na planta. Em um país com um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias, a casa própria é a compra da vida da maioria dos brasileiros.

E sonhos não custam barato. Por isso, os financiamentos imobiliários são uma das ferramentas mais importantes para o setor. Ocorre que a taxa básica de juros saiu de sua mínima histórica em 2020 para dois dígitos ao ano, influenciando todas as taxas de juros do país, incluindo as de financiamentos de longo prazo.

Do outro lado, o custo das incorporadoras para tirar os projetos do papel apareceu com mais detalhes nos balanços, especialmente porque a produção de sonhos também não é rápida. Mesmo com orçamentos cuidadosos, o tempo decorrido entre o início da construção e a entrega pode provocar alterações nos custos — e nas margens das empresas. Foi exatamente o que aconteceu nos balanços de 2021, quando a explosão do Índice Nacional da Construção Civil (INCC) escancarou os aumentos dos insumos utilizados no setor como o aço.

Aumentar o preço não é viável para todas as construtoras, especialmente para aquelas que focam em empreendimentos populares. A estratégia parece ser equilibrar o jogo com a diversificação de públicos-alvo. A Cury (CURY3) adotou este caminho e subiu o valor médio pedido por unidade, o que aliado a um mix de produtos, levou a empresa ao topo de recomendações pelos analistas de mercado ao lado da gigante Cyrela (CYRE3).

Com os níveis de pressão especialmente altos para as construtoras voltadas para a baixa renda, seria hora do investidor abandonar esse segmento e concentrar sua carteira no luxo? Não tão rápido. Elas ainda têm um trunfo: não falta demanda. Cerca de 79% do déficit habitacional mencionado anteriormente, concentra-se nas famílias de baixa renda. E, trabalhando com o funding carimbado do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e subsídios, a alta de juros pode não atingir o financiamento da baixa renda. O trunfo de um segmento, porém é a fraqueza de outro. Apesar de terem mais espaço para aumentar os preços, construtoras voltadas à alta renda têm de lidar com uma demanda menor, especialmente com juros maiores.

O cenário para 2022 é nebuloso e na questão de juros global, não há qualquer indicação de melhora no curto prazo. Muito pelo contrário, o conflito na Europa acabou agravando a situação.

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